Por que o autismo parece estar aumentando? O que a ciência sabe sobre a “explosão” de diagnósticos de TEA

Por que muitos pais e familiares questionam: “Nunca houve tantas crianças com autismo como hoje…”. Será verdade?

Profissional observando a comunicação não verbal de uma criança durante avaliação de TEA.
Observação clínica focada em comunicação social na primeira infância.
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Sou avô de uma criança com TEA e, desde o diagnóstico, mergulhei profundamente no estudo sobre o autismo para compreender e ajudar em cada detalhe dessa jornada.

Desde então e por “perceber” ao meu redor um número crescente com estes sintomas, sempre me questionei por que tantas crianças têm recebido esse diagnóstico atualmente, e essa dúvida me motivou a pesquisar ainda mais.

Por isso, dedico parte do meu tempo a aprender, apoiar minha família e compartilhar conhecimento confiável, na esperança de ajudar outros cuidadores que enfrentam as mesmas incertezas e desafios.

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A impressão é reforçada pelo convívio escolar, por relatos em redes sociais e pelo número crescente de diagnósticos de Transtorno do Espectro Autista (TEA). Mas será que há, de fato, um aumento real no número de crianças autistas — ou estamos apenas aprimorando a identificação e o diagnóstico?

Neste artigo, buscamos respostas nas pesquisas e com base em evidências científicas e dados recentes, o porquê desse “boom de autismo percebido” e o que a comunidade científica compreende até o momento.

Nosso objetivo não é alarmar, mas informar — orientar pais, cuidadores e educadores sobre o que a pesquisa mostra, o que ainda é incerto, e quais fatores colaboram para a sensação de aumento.

O que é TEA hoje: mudanças na definição científica

O TEA é uma condição de desenvolvimento neurológico caracterizada por dificuldades na comunicação, na interação social e pela presença de padrões repetitivos ou restritos de comportamento.

O termo “espectro” expressa justamente a grande variedade de apresentações possíveis: desde quadros com necessidades intensas de apoio até manifestações mais sutis, com habilidades preservadas.

Historicamente, o entendimento e a classificação do autismo evoluíram muito. O que antes podia ser dividido em categorias distintas — autismo clássico, Síndrome de Asperger, transtorno invasivo do desenvolvimento não especificado, entre outros — agora está agrupado sob o guarda-chuva do TEA.

Essa unificação, promovida por manuais de diagnóstico como o DSM-5 (e equivalentes internacionais), ampliou o espectro, incluindo perfis que antes ficavam fora da classificação formal.

Essa mudança conceitual é fundamental para entender por que, hoje, percebe-se um “aumento” de casos: muitos indivíduos que antes poderiam passar despercebidos agora se enquadram no espectro.

Melhoria e ampliação dos diagnósticos

Um dos motivos centrais para a “explosão” de diagnósticos de TEA é a melhoria na detecção — fruto de vários fatores:

  • Profissionais de saúde (pediatras, psiquiatras infantis, psicólogos, neuropediatras) estão mais capacitados para reconhecer os sinais;
  • Triagens e questionários de desenvolvimento passaram a ser mais comuns e difundidos, inclusive em contextos escolares e básicos de saúde;
  • A sociedade (pais, professores, cuidadores) tornou-se mais consciente dos sinais: atraso na fala, dificuldades de interação, comportamentos repetitivos, sensibilidades sensoriais — o que faz com que famílias busquem avaliações mais cedo;
  • A ampliação do espectro diagnóstico permite identificar casos antes ignorados ou classificados de modo diferente (por exemplo como “retranqueiro social”, “tímido”, dificuldades de aprendizado, transtornos de ansiedade ou de comportamento”).

Isso se reflete nas estatísticas recentes. De acordo com o mais recente levantamento do IBGE, o Brasil conta com cerca de 2,4 milhões de pessoas com diagnóstico de TEA — cerca de 1,2% da população.

Além disso, a prevalência é maior em crianças e adolescentes: entre 5 e 9 anos foi observada a taxa mais elevada, conforme os dados do Censo 2022.

Portanto, é razoável afirmar que boa parte do aumento percebido se deve a um “melhor olhar diagnóstico” e maior visibilidade do TEA — não necessariamente a uma explosão real de nascimentos com TEA.

Há um aumento real no número de crianças autistas?

Essa é uma das questões centrais e mais debatidas. A comunidade científica considera duas hipóteses principais — e destaca as dificuldades de aferir um “aumento real”:

  • Hipótese 1 — Prevalência estável, aumento apenas na detecção: com os critérios diagnósticos mais amplos, maior conscientização e triagem precoce, muitos casos “antes invisíveis” agora são identificados.
  • Hipótese 2 — Parte do aumento pode ser real: há pesquisadores que consideram que mudanças no ambiente, estilo de vida, fatores perinatais ou sociodemográficos poderiam estar contribuindo para um crescimento real da incidência.
    • Mas medir isso é extremamente difícil, em função de vieses — variabilidade nos critérios diagnósticos, diferenças entre regiões, disparidades de acesso à saúde, fatores socioeconômicos.

Atualmente, não há consenso global de que nascimentos com TEA estejam aumentando de forma generalizada além do efeito diagnóstico. Os dados recentes confirmam o aumento no número de diagnósticos — mas isso não prova, por si só, um aumento real da incidência.

Fatores investigados como possíveis contribuições — não causas diretas

Criança brincando com profissional observando sinais de desenvolvimento e interação.
A interação lúdica como ferramenta para avaliar sinais de TEA.

Embora não haja consenso, a ciência investiga alguns fatores que poderiam — em tese — contribuir para um possível aumento de casos ou influenciar o risco de TEA. Vale destacar que nenhum desses fatores representa uma “causa certa”, mas hipóteses em estudo. Entre eles:

1 – Idade parental avançada

Alguns estudos indicam que filhos de pais com idade mais avançada podem apresentar risco estatisticamente maior de TEA. É um fator de risco relativo — não significa que toda criança com pais mais velhos terá TEA, apenas que o risco pode ser ligeiramente maior.

2 – Fatores perinatais e obstétricos

Complicações na gestação, prematuridade, baixo peso ao nascer, eventos de hipóxia — todos esses fatores perinatais têm sido avaliados como potenciais influenciadores, ainda que com evidência limitada. A heterogeneidade dos casos e a dificuldade de controlar variáveis tornam essa análise complexa.

3 – Genética e epigenética

O TEA tem forte componente genético. Isso significa que há predisposição hereditária. Além disso, mutações espontâneas (sem histórico familiar) já foram identificadas em alguns casos. A epigenética — ou seja, a forma como fatores ambientais podem influenciar a expressão dos genes — é tema de crescente estudo.

4 – Ambiente e exposições ambientais

Pesquisas exploram se poluição do ar, exposição a substâncias tóxicas, alimentação, saúde materna, estresse gestacional, entre outros, podem atuar como fatores de risco. Mas atualmente não há evidência robusta e conclusiva que ligue diretamente esses fatores ao TEA.

Desmistificando mitos: o que a ciência não associa ao TEA

É importante frisar: evidências científicas não corroboram que vacinas causem autismo; também não há relação comprovada com criação dos pais, uso excessivo de telas por crianças, alimentação da criança, ou estilo de vida pós-natal.

Essas ideias persistem por desinformação e mitos — algo documentado em pesquisas recentes sobre disseminação de desinformação sobre autismo.

Como os países estão monitorando o TEA

Para mensurar a prevalência de TEA, muitos países adotam redes de monitoramento epidemiológico — como a rede ADDM da CDC nos Estados Unidos, que recentemente estimou cerca de 1 a cada 31 crianças de 8 anos com diagnóstico de TEA.

No Brasil, o IBGE, no Censo 2022 identifica 2,4 milhões de pessoas diagnosticadas com autismo no Brasil, estimou que 1,2% da população possui diagnóstico de TEA.

Transtorno do Espectro Autista
Créditos da Imagem: IBGE – Censo 2022

Esses levantamentos, no entanto, enfrentam desafios: subnotificação, desigualdades regionais, acesso desigual a diagnósticos, variação nos critérios utilizados por profissionais de saúde, diferenças culturais e socioeconômicas.

Isso significa que os dados oficiais podem estar subestimando a real prevalência — e dificultam a comparação histórica estrita.

O papel da tecnologia e da sociedade: a era do diagnóstico preciso

Nos últimos anos, a convergência de vários fatores potencializou a identificação de TEA:

  • Crescimento no número de especialistas, clínicas, centros de neurodesenvolvimento, tanto em grandes centros urbanos quanto em regiões menos atendidas;
  • Maior visibilidade nas mídias, escolas e comunidades, aumentando a atenção para sinais de alerta;
  • Mais formação e capacitação de profissionais de saúde, educação e psicologia;
  • Acesso à informação por parte de pais e cuidadores — estimulando o reconhecimento precoce de sinais atípicos de desenvolvimento;
  • Na pesquisa científica, há avanços em neuroimagem, genética e outras tecnologias que, no futuro, podem permitir diagnósticos mais objetivos. Já existem estudos experimentais com inteligência artificial aplicada à identificação de TEA a partir de imagens cerebrais.

Logo, vivemos um contexto de diagnóstico muito mais apurado, o que faz com que muitos indivíduos antes “invisíveis” ao sistema de saúde hoje recebam diagnóstico e apoio — fato positivo em termos de inclusão e intervenção precoce.

O que importa para as famílias: diagnóstico não é sentença

Interação lúdica em avaliações de desenvolvimento infantil.  Criança brincando com profissional
A interação lúdica como ferramenta para avaliar sinais de Autismo.

Receber um diagnóstico de TEA não significa “sentença”. Pelo contrário: pode ser o início de um caminho de apoio, tratamento, adaptação e acolhimento.

  • O diagnóstico precoce permite intervenções mais eficazes — terapias comportamentais, pedagógicas, fonoaudiológicas, ocupacionais, psicoeducativas, de acordo com as necessidades individuais;
  • Com o aumento de diagnósticos, há mais visibilidade social, mais políticas públicas, mais inclusão nas escolas, mais suporte;
  • Diagnosticar cedo e adequadamente pode melhorar a qualidade de vida da criança, da família e facilitar a inclusão social e escolar;
  • Compreender que o espectro é amplo: cada pessoa com TEA é única. Nem sempre os sinais são óbvios — por isso a escuta, observação e avaliação multiprofissional são essenciais.

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Conclusão: Por que o autismo parece estar aumentando

Em resumo: o que observamos hoje — o crescente número de diagnósticos de TEA — é, em grande parte, fruto da combinação de melhor definição diagnóstica, maior capacitação de profissionais, maior conscientização social e acesso mais amplo à avaliação.

Isso gera a “percepção” de que há “mais autismo”, o que, para muitos efeitos práticos, é correto: há mais pessoas reconhecidas, identificadas, visibilizadas.

Por outro lado, não há evidência consistente — até o momento — que demonstre um aumento global da incidência de TEA no nascimento além desse efeito diagnóstico. A ciência continua investigando fatores genéticos, perinatais e ambientais, mas sem conclusões definitivas.

Para as famílias, a mensagem mais importante é:

“se houver sinais de alerta — atraso de fala, dificuldades de socialização, comportamentos repetitivos, sensibilidade sensorial — vale buscar avaliação profissional especializada.”

Diagnóstico é o primeiro passo para compreensão, acolhimento e intervenção.


Perguntas Frequentes (FAQ) sobre Por que o autismo parece estar aumentando

1 – Por que tantas crianças estão sendo diagnosticadas com autismo hoje?

Por causa de critérios diagnósticos mais amplos, maior conscientização, mais especialistas e melhor triagem.

2 – O TEA realmente está aumentando no mundo?

A evidência aponta que o aumento nos diagnósticos é real; mas se há aumento na incidência de nascimentos com TEA, isso não está comprovado globalmente.

3 – O que mudou no diagnóstico do autismo nos últimos anos?

A definição de espectro, unificando diferentes condições sob TEA, e maior reconhecimento de quadros mais leves.

4 – A idade dos pais influencia o risco de TEA?

Pode haver associação de risco, mas é apenas um dos múltiplos fatores estudados — não determina sozinho um caso de TEA.

5 – Autismo pode ser causado por fatores ambientais?

Algumas hipóteses estão sendo investigadas, como complicações durante a gestação ou poluentes, mas não há evidência conclusiva.

6 – Excesso de telas pode causar autismo?

Não há evidência científica de que uso de telas cause TEA.

7 – Por que o diagnóstico precoce é tão importante?

Porque permite intervenções mais eficazes, melhor suporte e maior chance de desenvolvimento funcional e inclusão.


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